sexta-feira, 17 de abril de 2015

Enquanto meus olhos forem seus - Parte I

Tudo está igual. O sorriso das crianças brincando na rua, a tranquilidade dos pais, o clima fresco e úmido, agradável e viciante do sul. Finalmente voltei pra casa!

Dá vontade de abrir a janela desse carro e pular por ela pra abraçar cada cantinho desse lugar. Cinco anos sendo nômade pela América do Norte parecem que foram todos os meus 21 de vida.

Vinha com um inglês lindo, com saudade da mamãe, com um violão preto autografado com uma caneta branca por Chris Martin, vocalista da banda Coldplay, uma das minhas favoritas. E ah, com uma mala cheia de presentes e outra com as minhas coisas.

Pedi ao taxista para buzinar quando chegamos na porta de casa. Minha mãe apareceu com brilho nos olhos e lágrimas prontas a cair, eu saí correndo para abraça-la. Ficamos agarradas por um longo tempo.

- Meu amor, deixa eu te olhar bem – ela colocou as mãos no meu rosto, me olhou por inteira e me beijou a testa algumas vezes – Está tão linda, tão mulher!

- Mãe, menos...
Ah, meu filhote! Estava sentindo tanto a sua falta, falta desses olhos verdes, desse olhar de criança... - Ela disse eufórica.

- Mãe...

- Meu bebê está tão grande!

-Mãe! Mãe! – A abracei e falei baixinho em seu ouvido – A vizinhança toda está olhando, calma.

Nos soltamos e começamos a rir juntas.

Ela me ajudou com as malas e aquele dia foi exclusivo para eu contar tudo que aconteceu enquanto eu estava fora.

Ela tinha preparado meu prato predileto: ravióli de carne ao molho vermelho e para brindar, um bom vinho, vindo direto da nossa adega. Típico de uma família de sangue italiano.

Após toda essa euforia, levei as coisas para o meu quarto, que estava intacto desde quando viajei.

Deitei na cama, fechei os olhos, suspirei e pensei: como é bom estar de volta.

Mamãe bateu na porta.

- Entra, mãe.

- Esqueci de te dizer... A Alice veio aqui cedo e deixou isso pra você.

Levantei rápido da cama e vi um envelope nas mãos dela. Peguei e comecei a abri-lo.

- Vou para adega, se precisar de alguma coisa me chama.

Assenti com a cabeça e agradeci.

Logo vi um pequeno papel surgindo de dentro do envelope, com letras escritas pela própria mão da Alice.

Sorri abobada e comecei a ler:

“Giulia,

Em primeiro lugar, quero deixar claro o tamanho da falta que fez aqui todo esse tempo. Era pra eu estar aí agora dizendo isso pessoalmente para você, mas tive que viajar hoje cedo com o meu pai. Vamos à Gramado, negócios. Voltamos no domingo. E vou logo avisando: faça tudo que tem para fazer hoje e amanhã, porque domingo seu dia é pra mim! Sinta-se muito beijada e abraçada.

Saudade sem fim.


Alice.”



Alice era uma espécie de melhor amiga. Digo “espécie” porque sempre disse isso a ela para vê-la irritada. Me divertia. Estudamos juntas, fizemos aula de natação juntas e, de quebra, o pai dela era aficionado pelos vinhos da minha mãe. Bem, não era exatamente só pelos vinhos. 

Viajei brigada com ela. Só fomos nos reconciliar um ano depois e à distância. Foi a pior discussão que já tivemos. Discordávamos de muitas coisas, mas nos dávamos mais bem que mal. Senti saudade dessa guria! 

Naquela tarde ajeitei minhas coisas, separei os presentes e logo fui dormir. 

No dia seguinte visitei alguns parentes e aproveitei para ligar para minha tia, com quem vivia no Canadá. Ela morava sozinha. Meu tio morreu quando eu tinha dez anos, o vi duas vezes aqui, no Brasil. Eram muito apaixonados. Desde então minha tia nunca mais amou ninguém. Tinha seus lances passageiros, mas era só isso. Nos dávamos extremamente bem. Ela já chorava ao telefone de saudade. 

A cada coisa nova que via na cidade, queria que minha mãe me contasse detalhadamente. E quando o assunto parecia se esgotar, Alice vinha na minha cabeça. Precisava vê-la.

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